Mitologia guarani refere-se às crenças do povo tupi-guarani da porção centro-sul da América do Sul, especialmente os povos nativos do Paraguai e parte da Argentina, Brasil e Bolívia.
Mito guarani da criação
A figura primária na maioria das lendas guaranis da criação é Iamandu (ou Nhanderu ou Tupã), o deus Sol e realizador de toda a criação. Com a ajuda da deusa lua Araci, Tupã desceu à Terra num lugar descrito como um monte na região do Aregúa, Paraguai, e deste local criou tudo sobre a face da Terra, incluindo o oceano, florestas e animais. Também as estrelas foram colocadas no céu nesse momento.
Tupã então criou a humanidade (de acordo com a maioria dos mitos Guaranis, eles foram, naturalmente, a primeira raça criada, com todas as outras civilizações nascidas deles) em uma cerimônia elaborada, formando estátuas de argila do homem e da mulher com uma mistura de vários elementos da natureza. Depois de soprar vida nas formas humanas, deixou-os com os espíritos do bem e do mal e partiu.
Primeiros humanos
Os humanos originais criados por Tupã eram Rupave e Sypave, nomes que significam "Pai dos povos" e "Mãe dos povos", respectivamente. O par teve três filhos e um grande número de filhas. O primeiro dos filhos foi Tumé Arandú, considerado o mais sábio dos homens e o grande profeta do povo Guarani. O segundo filho foi Marangatu, um líder generoso e benevolente do seu povo, e pai de Kerana, a mãe dos sete monstros legendários do mito Guarani (veja abaixo). Seu terceiro filho foi Japeusá, que foi, desde o nascimento, considerado um mentiroso, ladrão e trapaceiro, sempre fazendo tudo ao contrário para confundir as pessoas e tirar vantagem delas. Ele eventualmente cometeu suicídio, afogando-se, mas foi ressuscitado como um caranguejo, e desde então todos os caranguejos foram amaldiçoados para andar para trás como Japeusá.
Entre as filhas de Rupave e Sypave estava Porâsý, notável por sacrificar sua própria vida para livrar o mundo de um dos sete monstros legendários, diminuindo seu poder (e portanto o poder do mal como um todo).
Crê-se que vários dos primeiros humanos ascenderam em suas mortes e se tornaram entidades menores.
Os sete monstros legendários
Tau perseguido por Kerana.
Kerana, a bela filha de Marangatu, foi capturada pela personificação ou espírito mau chamado Tau. Juntos eles tiveram sete filhos, que foram amaldiçoados pela grande deusa Arasy, e todos exceto um nasceram como monstros horríveis. Os sete são considerados figuras primárias na mitologia Guarani, e enquanto vários dos deuses menores ou até os humanos originais são esquecidos na tradição verbal de algumas áreas, estes sete são geralmente mantidos nas lendas. Alguns são acreditados até tempos modernos em áreas rurais. Os sete filhos de Tau e Kerana são, em ordem de nascimento:
· Abaangui, um deus creditado com a criação da lua; pode figurar somente como uma adptação de tribos guaranis remotas
· Outros nomes
Ava-Chiripa, Ava-Guarani, Xiripa, Tupi-Guarani
Onde estão
Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Paraguai, Argentina
· Quantos são
13.000 (Funasa, Funai, 2008)
1.000 (CTI/G. Grünberg, 2008)
15.229 (II Censo Nacional Indígena, 2002)
1.000 (CTI/G. Grünberg, 2008)
15.229 (II Censo Nacional Indígena, 2002)
· Família linguística
Tupi-Guarani
Mitologia e rituais
Os Guarani contam que o processo de criação do mundo teve início com Ñane Ramõi Jusu Papa ou “Nosso Grande Avô Eterno”, que se constituiu a si próprio do Jasuka, uma substância originária, vital e com qualidades criadoras. Foi quem criou os outros seres divinos e sua esposa, Ñande Jari ou “Nossa Avó”, foi alçada do centro de seu jeguaka (espécie de diadema que perpassa, como ornamento, testa e cabeça), o adorno ritual. Criou também a terra que então tinha o formato de uma rodela, estendendo-a até a forma atual; levantou também o céu e as matas. Viveu sobre a terra por pouco tempo, antes que fosse ocupada pelos homens, deixando-a, sem morrer, por um desentendimento com a mulher. Tomado de profunda raiva causada por ciúmes, quase chegou a destruir sua própria criação que foi a terra, sendo impedido, contudo, por Ñande Jari com a entoação do primeiro canto sagrado realizado sobre a terra, tomando como acompanhamento o takuapu: instrumento feminino, feito de taquara, com aproximadamente 1,10m, que é golpeado no solo produzindo um som surdo que acompanha os Mbaraka masculinos, espécie de chocalho de cabaça e sementes específicas.
O filho de Ñane Ramõi, isto é, Ñande Ru Paven (“Nosso Pai de Todos”) e sua esposa Ñande Sy (“Nossa Mãe”), ficaram responsáveis pela divisão política da terra e o assentamento dos diferentes povos em seus respectivos territórios, criando montanhas para delimitar o território guarani. Ñande Ru Paven roubou o fogo dos corvos e o entregou aos homens; criou a flauta sagrada (mimby apyka) e o tabaco (petÿ) para os rituais e foi o primeiro que morreu na terra. Da mesma forma que seu pai, decidiu abandonar a terra em função de um desentendimento com sua esposa que estava grávida de gêmeos. O mito dos gêmeos é um dos mais contados e difundidos pela América do Sul. Pa’i Kuara é neto de Ñane Ramõi. A ele, depois de muitas aventuras na terra, foi atribuída a responsabilidade de cuidar do Sol, assim como de seu irmão, Jacy, a quem caberia o cuidado da Lua.
Assim, Ñande Sy saiu em busca de seu marido e com freqüência perguntava ao filho, que ainda não havia nascido, qual o caminho a ser seguido. Pa’i Kuara chegou a indicar caminho errado para sua mãe que lhe havia negado uma flor que queria para brincar durante o percurso. Ñande Sy chegou à morada dos Jaguarete ou “os verdadeiramente selvagens” (que são as onças). O avô destes seres ferozes tentou em vão salvar a vida da mulher. Seus filhos, ao voltarem famintos pelo fracasso da caça, mataram Ñande Sy, deixando vivos apenas os pequenos gêmeos. Estes, depois de grandes, encontraram com o “papagaio do bom falar” (parakau ñe’ëngatu) que lhes contou da morte da mãe. Resolveram vingá-la. Pa’i Kuara e seu irmão menor Jasy prepararam armadilha na qual morreram todos os jaguarete, menos uma que estava grávida, razão pela qual os jaguarete (onças) permaneceram no mundo.
Pa'i Kuara e Jasy viveram inúmeras aventuras sobre a terra até que o primeiro decidiu ir para os céus à procura de seu pai. Sua preparação para isto consistiu em jejuar, dançar e rezar até sentir-se suficientemente leve de modo a poder subir. Lançou então uma seqüência de flechas, umas sobre as outras, até construir um caminho que o levou aos céus, onde entrou através da abertura feita por suas flechas. Seu pai Ñande Ru Pavë o reconheceu como filho autêntico, entregando-lhe o Sol para que dele cuidar.
Os Paï se consideram descendentes diretos, como netos, de Pa’i Kuara, o ser divino mais referido em seus mitos e a quem recorrem mais sistematicamente em momentos de penúria ou doença.
Fora da mitologia clássica e considerando a criação do mundo até a chegada de Pa’i Kuara ao céu, os Guarani possuem um número interminável de contos e mitos cujos heróis são animais. Criaram também uma mitologia onde são narrados acontecimentos identificáveis nos últimos 200 anos. Os mitos de Kasíke Guaira e Kasíke Paragua, por exemplo, narram interpretações de conflitos e guerras com brasileiros e paraguaios ocupantes de seus territórios.
Outros personagens divinos importantes são os quatro “cuidadores das almas dos homens”, localizados em um dos sete céus e nas quatro direções; há ainda seres que cuidam das águas, dos animais, das plantas e outros, cabendo destaque a Jakaira, responsável pela fertilidade das roças.
Rituais
São assíduas e freqüentes as atividades religiosas guarani, com práticas de cânticos, rezas e danças que, dependendo da localidade, da situação ou das circunstâncias, são realizados cotidianamente, iniciando-se ao cair da noite e prolongando-se por várias horas. Os rituais são conduzidos pelos ñanderu que são líderes e orientadores religiosos; contemplam necessidades corriqueiras como colheita da roça, ausência ou excesso de chuva.
Entre os kaiowa, duas cerimônias têm destaque: a do avati kyry (milho novo, verde) e do mitã pepy ou kunumi pepy (realizada em várias comunidades no Paraguai; no Brasil apenas uma comunidade a mantém). A primeira é celebrada em época de plantas novas (fevereiro, março) e tem no avati morotĩ (milho branco), planta sagrada que rege seu calendário agrícola e religioso, a referência principal. Semanas de trabalho e envolvimento de muitas famílias para preparar o kãguy ou chicha e o lugar da cerimônia, antecedem sua realização. O kãguy é uma bebida fermentada, feita, nestas cerimônias, com o milho branco (mas também de mandioca, batata doce ou cana de açúcar) e preparada pelas mulheres.
A cerimônia em si, dirigida por um líder religioso, tem início ao cair do sol e finda na aurora do dia seguinte. Este xamã deve conhecer o mborahéi puku ou “canto comprido”, cujos versos, que não se repetem, não podem ser interrompidos depois de iniciada a cerimônia. A cada verso entoado pelo ñanderu a comunidade o repete, sempre acompanhados pelos mbaraka confeccionado e usado por homens e os takuapu usados por mulheres. Ao amanhecer, terminado o mborahéi puku (canto comprido), há o batismo da colheita (mandioca, cana, abóbora, batata doce, milho etc.), que permaneceu depositada no altar. Na noite seguinte a cerimônia do avati kyry continua com cantos e danças mais profanos, os kotyhu e os guahu, por toda a comunidade e por muitas visitas que participam da cerimônia.
Além desses rituais, há ainda as cerimônias do mitãmongarai, ocasião em que sacerdotes reúnem crianças para o batismo, quando recebem o tera ka’aguy (nome de mato) ou nome guarani.
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